terça-feira, 13 de junho de 2023

DEVOÇÃO A S. BENEDITO EM SOROCABA


DEVOÇÃO A SÃO BENEDITO EM SOROCABA

(JOSÉ BENEDITO DE ALMEIDA GOMES)

São Benedito, ao contrário da grande maioria de vilas e cidades surgidas pelo Brasil afora entre os séculos XVI e XIX, nunca teve uma capela ou igreja própria a ele dedicada em Sorocaba durante a época de sua colonização e depois com a evolução urbanística dos períodos que se seguiram com a consolidação da então Colônia brasileira como Reino Unido a Portugal em 1808, Império e advento da República em 1889,

As primeiras informações consolidadas acerca da devoção a São Benedito em Sorocaba datam do século XVIII, época, aliás, que paralelamente também na então Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba a escravidão negra, certamente, já se fazia bem presente. A primeira referência em torno da existência por aqui da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, que historicamente em muitas outras regiões do Brasil à época também incorporava ainda a devoção a São Benedito, diante com certeza da cor da pele do ‘santo mouro’, data de cerca de 1750, quando seus integrantes edificam primitiva capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário, a poucos metros da Matriz. Contudo, como registra em suas pesquisas monsenhor Luiz Castanho de Almeida, o historiador Aluísio de Almeida, logo em 1770 a vendem a Salvador de Oliveira Leme, o ‘Sarutaiá’, como era conhecido, depois capitão-mór de Itapetininga. Ele residia em Sorocaba e, vendo que a Irmandade não tinha folego para continuar com a construção, a adquire, decidido a terminá-la a suas custas.

“Como em todo o Brasil, a Irmandade de São Benedito começou, assim, confundida com a do Rosário, suplantando-a”, escreve Aluísio de Almeida à página 120 do livro ‘História de Sorocaba’ (1969). Até 1797, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, entregue sua inacabada capela de taipa a Sarutaiá, passou a ocupar a nova Matriz, sagrada pelo bispo de São Paulo a 9 de fevereiro de 1783 e onde já havia outra Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, a dos brancos. A Irmandade, com o dinheiro recebido do Sarutaiá, começa, então, a pilar as taipas de nova igreja do Rosário, no pátio dos Lopes, junto à atual praça Dr. Ferreira Braga (largo do Rosário), onde hoje se encontra o Colégio Santa Escolástica, das Monjas Beneditinas, com sua igreja anexa dedicada à Senhora do Rosário.

Sarutaiá em pouco tempo, com dinheiro e grande número de escravos, terminaria as obras de construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário que adquirira na rua de São Bento, inclusive a ponto de ela ser utilizada como Matriz durante a reconstrução da igreja de Nossa Senhora da Ponte – a igreja do Rosário terminada por Sarutaiá depois serviria à fundação em anexo de um Recolhimento em 1809 iniciado por duas de suas netas e transformado a partir de 1811, com a vinda a Sorocaba do Frei Santo Antônio de Sant’Ana Galvão para orientar as religiosas e conduzir a construção, no Mosteiro da Imaculada Conceição e de Santa Clara, das Monjas Concepcionistas.

De outro lado, contudo, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos também não consegue novamente, por uma série de motivos, inclusive de ordem financeira, levar adiante a construção de sua segunda igreja do Rosário, no largo dos Lopes, iniciada por volta de 1812, “indo aboletar-se em Santo Antônio, já como Irmandade de São Benedito”, como também assinala em seus escritos Monsenhor Luiz Castanho de Almeida. Pararam a construção da segunda igreja do Rosário a uma braça do solo, entregando-a aos irmãos da Irmandade da Misericórdia, que se encarregaram de conclui-la – sendo sagrada pelo vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Ponte a 3 de março de 1875.



DEVOÇÃO CRESCENTE A SÃO BENEDITO 

– O desaparecimento da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Sorocaba, em 1812, só reforça as conjecturas dos historiadores de que em muitos lugares, inclusive por aqui, tais irmandades, na realidade, começaram confundidas com a devoção a São Benedito – “e acabou suplantando-a”.

Foi aproximadamente em 1825 que chega a Sorocaba bela imagem de São Benedito, o Negro, até hoje venerada em altar lateral da igreja matriz do Bom Jesus dos Aflitos, nos altos da rua Coronel Nogueira Padilha, em Vila Hortência. À época, já como simplesmente Irmandade de São Benedito, esta se encontrava sediada junto à igreja de Santo Antônio, na atual praça Comendador Nicolau Scarpa (largo do Mercado, defronte o atual Relógio, criada por provisão canônica de 1752. Isto, ao que tudo indica, após a Irmandade da Misericórdia continuar por algum tempo abrigando os confrades de São Benedito no Novo Rosário.



Em Santo Antônio, também passaram a funcionar a partir de 1825, ao lado de sua velha Irmandade de Santo Antônio, as irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte e da Santa Casa de Misericórdia, distintas, mas fundadas no mesmo ano – 1805. A Santa Casa, aliás, funcionava próxima, na atual rua Dr. Álvaro Soares, cantando suas missas solenes, sobretudo na data de sua fundação, 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição, em Santo Antônio. Já a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, na realidade, integrada igualmente por homens pretos, parece ter sucedido em parte a de Nossa Senhora do Rosário, com sua transformação em devocionária de São Benedito.

Em 1856, os homens pretos ainda fizeram uma última tentativa de erguer em Sorocaba uma igreja dedicada a São Benedito, antes da desistência definitiva da Irmandade devotada ao Santo mouro ter sua capela própria. Ergueram as taipas da igreja da Boa Morte, como chamaram a princípio, na rua que então foi aberta com esse nome, Boa Morte (atual rua Dr. Ruy Barbosa, no bairro do Além-Ponte), na esquina com a atual rua Ataliba Borges, mas a proposta não prosperou. Seus muros, porém, só em 1935 foram derrubados.

Mais adiante, em 1873, ocorreu uma outra tentativa de saída da Irmandade de São Benedito da igreja de Santo Antônio. Foi para a Capela do Bom Jesus dos Aflitos, construída em 1852 por Elias Aires do Amaral junto a seu sobradão na rua das Flores (atual rua Monsenhor João Soares), esquina com a rua Bom Jesus (atual rua Dom Antônio Alvarenga) e com frente em perpendicular para a rua José Bonifácio, então rua da Amargura. Em seu livro “Cruzes e Capelinhas – Tradições sorocabanas que desaparecem” (1952), o historiador Antônio Francisco Gaspar acentua, inclusive, que para muita gente era a ‘igreja de São Benedito’, em vista da Irmandade ali realizar suas celebrações, momentos de orações e festas em honra ao Santo Negro, quando não faltavam, principalmente ainda no tempo do Império, o espocar de fogos de artifício. “Assim, também até 1925 o povo crismou esse templo de igreja de São Benedito, porque ali se reunia a Irmandade desse Santo, a qual também zelava por essa capela”, escreveu Gaspar, deixando registrado ainda que parte do terreno onde o primeiro bispo diocesano de Sorocaba, dom José Carlos de Aguirre, edificaria o prédio histórico do Seminário ‘São Carlos Borromeu’, na avenida Dr. Eugênio Salerno, pertencia por doação da Família Ayres à Irmandade de São Benedito. Testemunho de seu provedor Carlos Tertuliano Leocádio, com base em atas da Irmandade, a Família doara a São Benedito área da casa de oração (anterior Capela do Bom Jesus) ou Capela dos Ayres, anexa a sua residência, com porta de entrada de sua casa para a igreja e o potreiro que vai desde a rua Ypiranga (atual Artur Gomes), compreendendo ainda a rua das Tropas (7 de Setembro) até o largo da Independência (praça 9 de Julho).

Em estado de ruina, um violento temporal nos primeiros dias de janeiro de 1925 fez ruir sua torre de madeira e pouco antes de 1926, também com a morte de seus protetores, a Capela do Bom Jesus dos Aflitos, no ponto inicial da rua Monsenhor João Soares, teve de ser demolida por completo. Já em vias de criação da segunda paróquia de Sorocaba, dedicada ao Bom Jesus dos Aflitos e sediada em Vila Hortência (a instalação solene pelo bispo dom José Carlos de Aguirre ocorreria a 6 de agosto seguinte/1926), suas imagens foram, então, transferidas para a Matriz provisória, depois demolida para dar lugar ao atual Ginásio Municipal de Esportes, incluindo a histórica imagem do Padroeiro (Bom Jesus dos Aflitos), pertencente à Família Ayres e até hoje venerada no altar-mor da Paróquia nos altos da Nogueira Padilha – imagem do século XVIII e também servia às procissões da Semana Santa na Matriz de Nossa Senhora da Ponte, como a do Fogaréu ou do Senhor Preso, participada só pelos homens na noite da quinta-feira da Paixão, depois do Lavapés. A imagem de São Benedito com sua secular Irmandade, porém, ainda não foi desta vez que se deslocou para o bairro do Além-Ponte. Retornou à velha igreja de Santo Antônio, no largo do Mercado, onde continuaram tradicionais as festas anuais em louvor a São Benedito, celebradas no início do ano, em janeiro, no dia 6, como um prolongamento das festividades de Natal, quando os devotos de São Benedito também tiravam pelas ruas da cidade não somente procissões com a imagem do Santo Negro, mas também realizavam suas congadas saudando ainda a aproximação do Dia de Reis.

No início dos anos 1950, com a demolição da igreja de Santo Antônio, a bela e histórica imagem de São Benedito foi, então, definitivamente transferida para altar lateral da igreja matriz do Bom Jesus dos Aflitos, na Vila Hortência, tendo como guardiã a primeira Irmandade de São Benedito de Sorocaba. Depois surgiram outras. (JOSÉ BENEDITO DE ALMEIDA GOMES)

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